"Queridos filhos, vejam, escutem e sintam que no coração de muitas pessoas não há Deus. Elas não O desejam, pois estão distantes da oração e não tem paz. Vocês filhinhos, rezem e vivam os mandamentos de Deus. Sejam oração, vocês que desde o principio deram o seu “sim” ao meu chamado. Testemunhem Deus e minha presença e não esqueçam, filhinhos, eu estou com vocês e amo todos vocês. Dia a dia apresento todos a meu filho Jesus. Obrigada por terem atendido ao meu chamado."
Comentário da Mensagem
Sejam oração… Numa primeira leitura da mensagem de Fevereiro, comecei por me fixar nesta exortação: «Sejam oração!». Vivam no Espírito, que nos faz confessar o Nome de Jesus e clamar “Paizinho”… Rezai sempre… Sejam, em todas as circunstâncias, do Amor de Deus… Sim, «sejam oração» quer dizer tudo isto. Porém, este tão materno convite, liguei-o ao tempo da Quaresma que está quase aí. Fazer um programa quaresmal, em que se desdobram as devoções e multiplicam os gestos penitenciais, que depois cumprimos – ou não cumprimos - de uma forma casuística, é uma enorme tentação. A Mãe quer aquilo que o Papa quer: que vivamos enxertados em Cristo, na Sua pobreza, na Sua humildade, ocupando-nos dos nossos irmãos – isto é o necessário.
«À imitação do nosso Mestre, nós, cristãos, somos chamados a ver as misérias dos irmãos, a tocá-las, a ocupar-nos delas e a trabalhar concretamente para as aliviar. […] A miséria não coincide com a pobreza; […] Não menos preocupante é a miséria moral, que consiste em tornar-se escravo do vício e do pecado. Esta forma de miséria, que é causa também de ruína económica, anda sempre associada com a miséria espiritual, que nos atinge quando nos afastamos de Deus e recusamos o seu amor. […] O Evangelho é o verdadeiro antídoto contra a miséria espiritual: o cristão é chamado a levar a todo o ambiente o anúncio libertador de que existe o perdão do mal cometido, de que Deus é maior que o nosso pecado e nos ama gratuitamente e sempre, e de que estamos feitos para a comunhão e a vida eterna».
Isto diz-nos o Santo Padre na sua primeira mensagem quaresmal. E o que nos diz a Mãe? «Vejam, escutem e sintam que no coração de muitas pessoas não está Deus. Elas não O desejam, porque estão longe da oração e não têm paz».
Filhinhos, rezem e vivam os mandamentos de Deus
O Papa Francisco, na Audiência Geral do dia 12 de Junho passado, perguntava e de imediato respondeu: «Qual é a lei do Povo de Deus? É a lei do amor, amor a Deus e amor ao próximo, segundo o mandamento novo que o Senhor nos deixou […], o reconhecimento de Deus como único Senhor da vida e, ao mesmo tempo, o acolhimento do outro como verdadeiro irmão, superando divisões, rivalidades, incompreensões e egoísmos; são dois elementos que caminham juntos». Trata-se de uma resposta sem qualquer novidade. Todos sabemos muito bem a forma como Jesus resumiu a Lei, em dois mandamentos, um maior do que o outro, mas ambos um só: o amor a Deus e o amor ao próximo. Sabemo-lo, porém, não raro, na prática, o ignoramos.
Na verdade, não é fácil amar o próximo com o próprio Amor de Deus; amar o próximo como somos amados por Jesus, que Se fez nosso próximo. «Quem pode explicar o amor de Cristo?», pergunta São Rafael Arnaiz Baron, monge trapista espanhol que viveu na primeira metade do século passado. «Que os homens e as outras criaturas se calem; calemo-nos, para que, no silêncio, escutemos os sussurros do amor, do amor humilde, do amor paciente, do amor imenso, infinito, que Jesus nos oferece, pregado à Sua cruz, com os braços totalmente abertos. O mundo, na sua loucura, não O escuta».
Vejam, escutem e sintam que no coração de muitas pessoas não está Deus
Nossa Mãe Santíssima exorta-nos a estar atentos – a ter compaixão! – Daqueles nossos irmãos que permanecem afastados de Deus, daqueles que estão longe da oração e não têm paz. Esta mensagem remete-nos para a mensagem de Fátima, para aquilo que aconteceu a 13 de Julho de 1917, na 3ª Aparição de Nossa Senhora aos pastorinhos, na Cova da Iria. A Senhora disse-lhes: «Sacrificai-vos pelos pecadores e dizei muitas vezes, em especial sempre que fizerdes algum sacrifício: Ó Jesus, é por vosso amor, pela conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria». E depois da visão do inferno, prosseguiu a Senhora: «Vistes o inferno para onde vão as almas dos pobres pecadores; para as salvar, Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao Meu Imaculado Coração. Se fizerem o que Eu vos disser salvar-se-ão muitas almas e terão paz».
Afinal, qual é a missão deste povoque reconhece o Senhor como único Senhor e procura viver de acordo com os seus mandamentos? Voltemos à Praça de São Pedro e continuemos a escutar aquilo que disse o Santo Padre naquela cálida manhã do dia 6 de Junho: «A missão de levar ao mundo a esperança e a salvação de Deus: ser sinal do amor de Deus que chama todos à amizade com Ele; ser fermento que faz levedar toda a massa, sal que dá sabor e que preserva da corrupção, ser luz que ilumina. Ao nosso redor, […] a presença do mal existe, […] o diabo age. Mas gostaria de dizer em voz alta: Deus é mais forte! […] Porque Ele é o Senhor, o único Senhor! E gostaria de acrescentar também que a realidade às vezes obscura, marcada pelo mal, pode mudar se formos os primeiros a transmitir a luz do Evangelho, principalmenteatravés da nossa própria vida». E insistiu:«Ser Povo de Deus, segundo o grande desígnio de amor do Pai, quer dizer ser o fermento de Deus nesta nossa humanidade, significa anunciar e levar a salvação de Deus a este nosso mundo, que muitas vezes se sente perdido, necessitado de respostas que animem, que infundam esperança e que dêem um vigor renovado ao caminho. A Igreja seja lugar da misericórdia e da esperança de Deus, onde cada qual possa sentir-se acolhido, amado, perdoado e encorajado a viver em conformidade com a vida boa do Evangelho. E para fazer com que o outro se sinta acolhido, amado, perdoado e encorajado, a Igreja deve manter as suas portas abertas, a fim de que todos possam entrar. E nós temos de sair através de tais portas e anunciar o Evangelho».
Sejam oração, testemunhem Deus e a minha presença e não se esqueçam que Eu estou convosco e vos amo
«Jesus não é uma ideia» ou, como ainda recentemente, na homilia do dia 21 de Fevereiro na Casa de Santa Marta, afirmou o Papa Francisco, «uma fé que não dá frutos por meio das obras não é fé». E, com a frontalidade a que já nos habitou, apontou o dedo aos cristãos que recitam o Credo na perfeição, mas sem que isso tenha consequência nas suas vidas. «O mundo está cheio desses cristãos» enfatizou. «’Mas eu tenho muita fé', ouvimos dizer. 'Eu acredito em tudo, tudo...'. Porém a vida que se leva é uma vida morna. […] Podemos conhecer todos os mandamentos, todas as profecias, todas as verdades da fé mas, sem a prática, de nada serve. Pode-se recitar o Credo e não ter fé, acontece isso com muita gente. Até com os demónios! Os demónios sabem o que se diz no Credo e sabem também que aquilo que se diz é verdadeiro. Terão fé os demónios? Não, não têm, embora até tremam diante de Deus… Os demónios não têm fé, porque ter fé não é ter um conhecimento, mas acolher a boa nova de Deus trazida por Cristo», apressou-se a esclarecer o Santo Padre.
Os demónios, os eruditos da teologia, «os cristãos que pensam a fé como um sistema de ideias», aqueles que se enredam na casuística, são colocados, pelo Papa Francisco, no mesmo saco. Quem se fica na erudição, «quem cai na casuística ou na ideologia, são cristãos que conhecem a doutrina, até especulam sobre ela, mas não têm fé; como os demónios. Com a diferença de que os demónios tremem diante de Deus, mas estes não: estes vivem tranquilos».
Deixem-se de retóricas, de divagações, de ideologias, de casuísticas…São Rafael Arnáiz Barón, já citado neste texto, anima-nos para a missão quando nos fala da sua própria experiência: «Que venham os sábios, perguntando onde está Deus. Deus encontra-Se onde o sábio, com toda a sua orgulhosa ciência, não consegue chegar. Deus encontra-Se no coração desprendido, no silêncio da oração, no sofrimento como sacrifício voluntário, no vazio do mundo e das suas criaturas. Deus está na cruz; enquanto não amarmos a cruz, não O veremos, não O sentiremos. Calai-vos homens, que não parais de fazer barulho!».
«Testemunhem Deus!». Entenda-se: sejam coerentes na prática da vida com a fé que professam. A solicitude por todos aqueles em cujo coração não está Deus, é uma obra da fé. Mas atenção… O Papa Francisco, a um grupo de crismandos, dizia há dias: «Se estás diante de um ateu que te diz que não acredita em Deus, tu podes ler-lhe uma biblioteca de livros que provam a existência, e ele permanecerá sem fé. Mas se, diante desse ateu, tu deres testemunho de uma vida cristã coerente, alguma coisa começará a acontecer no seu coração. O teu testemunho vai provocar-lhe a inquietação, e o Espírito Santo vai trabalhar nela. É uma graça que todos nós, toda a Igreja tem que pedir: 'Senhor, que sejamos coerentes'».
Testemunhem Deus e a minha presença!
Vejam só… Maria como que renuncia ao Seu silêncio, à Sua discrição, e pede-nos que testemunhemos também a Sua presença. A Sua presença na vida de Jesus, na vida da Igreja, na vida de cada um de nós! A mulher humilde, forte e coerente, a Mãe que acaricia e protege os filhos, a serva e a intercessora fiel. Poderá ser decisivo para quem se deixa inquietar, esta certeza: Jesus que nos salvou, deu-nos também uma Mãe para a vida.
Termino este comentário, já longo, como o Papa Francisco termina a mensagem para a Quaresma: «Que o Senhor vos abençoe e Nossa Senhora vos guarde!». Santa Quaresma!
Cónego Armando Duarte
Lisboa, 1 de Março de 2014
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