Cónego António Rego



 

 

Peregrinação a Medjugorje

 

Os acontecimentos não estão todos à mesma distância. Mesmo os do nosso tempo. Uma coisa é ouvirmos falar, vagamente, ou mesmo ter imagens e informações genéricas, que mal nos tocam e depois se desvanecem na floresta de notícias em que, diariamente, estamos envoltos. Diminui a distância, quando deles nos falam pessoas credíveis, como testemunhos. E se as pessoas são amigas e próximas, o mesmo acontecimento como que nos envolve e question
a mais profundamente.
 
 
Foi um grupo de amigos que, um dia, ao falarem-me de Medjugorje me convidaram a visitar, em jeito de peregrinação, muito livremente. E uma vez que ando um pouco por todo o mundo com a máquina de filmar, aceitei o desafio para fazer um programa ‘Oitavo Dia’, a partir desse singular Santuário na Bósnia. Queria ser verdadeiro, primeiro comigo e depois com as pessoas a quem faria uma narrativa de um acontecimento, as aparições, um lugar de oração, um espaço lindíssimo onde se respira fé e vida.  
 
Sabia que Medjugorje vinha nasequência de Fátima e Lurdes e perguntava-me o que iria lá fazer, quando uma das coisas mais regulares da minha agenda, nos últimos quarenta anos, tem sido nos dias 12 e 13 de Maio e Outubro, dirigir as transmissões de Fátima. Para além das visitas, que praticamente todas as semanas faço à Cova da Iria, para os mais diferentes trabalhos, que nunca deixam de ser peregrinação.
 
Lá fui, à palavra serena e profundamente livre e respeitadora de quem me tinha informado. Com um grupo de sacerdotes e leigos , em clima de retiro, a que eu acrescentava o tom da reportagem, o que não me impedia de viver um clima de oração.
 
 
Comecei por embeber o clima e a alma do peregrino. Sabia que não havia uma aprovação oficial da Igreja, mas também não existia qualquer interdição. Aspectos devocionais menos coincidentes com as vias com que costumo chegar a Deus, já não eram essenciais. Havia a luz, o silêncio, o tempo, o ambiente, a oração da multidão em paz, as longas horas de meditação e oração, a Eucaristia, o terço, a festa. E uma extrema beleza e qualidade na liturgia. E a montanha. Essa montanha sedutora, que subi com uma imensa alegria, mesmo carregado de máquinas e cansaços. Mas isso, para mim, é um sacrifício inscrito na minha concepção de subir à montanha de Deus. Não sei se é o meu regresso aos tempos da errância ou da humanidade nómada, que me sinto sublimado em descobrir novos espaços, ainda que sejam na subida serena de uma montanha.
 
 
Esta tem o sabor ao Monte, onde Jesus esteve com Pedro, Tiago e João e onde uma imensa paz nos visita, com o total desprendimento de tudo o que é efémero e secundário. É uma experiência de interioridade, oração, cansaço e beleza nas estações da Via-Sacra, com o olhar preso na última etapa, a da Ressurreição. E ver tantos e tantas que sobem ao lado, rezam, cantam, fazem silêncio, repousam, continuam, num apelo que não se sabe de onde vem, mas se percebe claramente que tem o tom materno de Maria, a Mãe de Jesus.
E experimentar uma imensa reconciliação interior no Sacramento da penitência, vendo de perto e de longe a vida do passado e do presente. É como visitar aquela piscina de Siloé e se sentir a cura das pequenas e grandes lepras, que a nós se apegam.
 
 
Não me perdi em pormenores de doutrina ou pastoral. 
Vi, em todos, um respeito imenso e uma grande dignidade celebrativa, tanto individual, como comunitária. Mesmo que, a meu ver, alguns aspectos eucarísticos pudessem ser melhor realçados. Mas disso não sou juiz. A religiosidade popular sempre teve e tem aspectos não inteiramente coincidentes com as linhas oficiais de espiritualidade. É importante aperfeiçoar e mesmo corrigir. Mas, muitas vezes, trata-se de aspectos marginais, tanto à teologia, como à liturgia oficial. Em qualquer aldeia do nosso país podemos observar esse facto, num simples dia de festa.
 
 
Voltei a Medjugorje alguns anos depois. E não alterei o meu sentir e vibrar com a multidão, como acontece em grandes Santuários. Passei por Aparecida, Tchestokova, Monserrate, Guadalupe e muitos outros. Nenhum pretende ser um tratado de teologia. Apesar de reconhecer que não é qualquer escola de espiritualidade que serve a Igreja e o homem de hoje. 
 
Mas Medjugorje reúne um conjunto de factores, que propiciam um tempo interior forte, com a Virgem Maria no coração do povo.
 
Cónego António Rego
Paróquia Nossa Senhora de Fátima - Lisboa

 


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