"Queridos filhos. Também hoje vos convido a viver, na oração, a vossa vocação. Hoje, como nunca antes, Satanás quer sufocar, com o seu vento contagioso do ódio e da inquietude, o homem e a sua alma. Em muitos corações não há alegria, porque não está, nem Deus, nem a oração. O ódio e a guerra crescem de dia para dia. Convido-vos, filhinhos, a iniciar de novo, com entusiasmo, o caminho da santidade e do amor, porque foi por isso que eu vim para o meio de vós. Sejamos, juntos, amor e perdão por todos aqueles que só sabem e desejam amar apenas com o amor humano e não com o incomensurável amor divino, ao qual Deus os convida. Filhinhos, que a esperança num amanhã melhor, esteja sempre no vosso coração. Obrigada por terem respondido ao meu chamamento."
Comentário da Mensagem
Convido-vos a viver, na oração, a vossa vocação, […] e a iniciar de novo, com entusiasmo, o caminho da santidade e do amor.
Viver, na oração, a vocação… É necessário pedir ao Senhor que suscite na Sua Igreja muitas e santas vocações para a vida religiosa, para o sacerdócio ministerial, para as Missões; e ajude aqueles que chama ao matrimónio, a vivê-lo como uma verdadeira vocação; rezar também, pedindo ao Senhor com insistência, sobretudo quando a não descobrimos ainda, que nos ilumine e nos faça perceber a nossa própria vocação. Viver na oração, a vocação, é também rezar Àquele que chama – a quem devemos a graça da vocação e a graça de nos decidirmos a dar uma resposta sem fugas – que nos conceda, a nós e a todos os que são chamados, a graça da fidelidade no dia a dia e em todos os dias, até ao derradeiro chamamento, ou seja, a morte. Disso depende a realização da comum vocação à santidade.
A 14 de Setembro de 2010, o saudoso Cardeal Policarpo, na altura Patriarca de Lisboa, publicou uma Carta Pastoral sobre a Nova Evangelização, um texto profético relativamente à Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, o programa pastoral do Papa Francisco. No n.7, sobre a oração, afirma: «Sem rezar não podemos amar.[…] Mas o que é rezar? Rezar é restabelecer entre Deus e nós relações num sentido normal. É converter, voltar o nosso espírito, o nosso coração, a nossa vontade para o lado de Deus que, sem cessar, é para nós Criador e Pai. A oração já é amor, ela exige o amor, acolhe o amor». A vocação é o amor dado, o amor que a gente descobre, o amor que procuramos viver como resposta ao amor. Santa Teresa do Menino Jesus o testemunha: «Compreendi que o amor encerra em si todas as vocações, que o amor é tudo e que abrange todos os tempos e lugares, numa palavra, que o amor é eterno. Então, com a maior alegria da minha alma arrebatada, exclamei: Jesus, meu amor! Encontrei finalmente a minha vocação. A minha vocação é o amor. […] No coração da Igreja, minha Mãe, eu serei o amor».
Experimentou-o Santa Teresa, e teremos a graça de o experimentar nós próprios vivendo na oração a vocação. Voltando ao texto do Cardeal Policarpo: «Se toda a nossa vida está em Deus, por Jesus Cristo, o seu realismo concreto inspira a forma de rezar, fazendo-nos descobrir que todas as expressões da vida podem ser louvor de Deus, fazer parte desse convívio íntimo, no amor. Madeleine Delbrêl, escreveu a este respeito: “Mas aquele que deve rezar, que deve oferecer o seu ser à força interior do Espírito, que diz Pai Nosso, é um homem com tal temperamento, com determinadas circunstâncias de vida, nascido numa determinada época, no meio de um determinado grupo humano, carregado com tais tentações. Habite uma casa grande ou um quarto super-povoado; trabalhe no silêncio ou no tumulto; deve lutar contra a solidão ou contra a multidão. É de tudo isso que deve brotar a sua maneira de rezar, a da manhã ou a da noite, a de hoje ou a de amanhã, a da juventude ou a da idade madura e da velhice».
Vivendo o amor e dele dando testemunho nas ocupações quotidianas – cada qual consoante a sua vocação – realizamos a vocação de todos os homens e de todas as mulheres: ser santos! Sobre esta possibilidade falou o Papa Francisco na Catequese que fez durante a Audiência Geral do dia 19 de Novembro do ano passado: «Mas padre, trabalho numa fábrica; trabalho como contabilista, sempre com os números, ali não se pode ser santo... Sim, podes! Podes ser santo lá onde trabalhas. […] Cada condição de vida leva à santidade, sempre! Em casa, na rua, no trabalho, na igreja, naquele momento e na tua condição de vida foi aberto o caminho rumo à santidade. Não desistam de percorrer esta senda. É precisamente Deus quem nos dá a graça. O Senhor só pede isto: que permaneçamos em comunhão com Ele e ao serviço dos irmãos».
Sem rezar não podes amar e se não amas não vives com fidelidade a tua vocação. São Francisco de Sales, Bispo e doutor da igreja, cuja memória celebrámos no dia 24 de Janeiro, depois de exortar todos a ser devotos, cada qual no seu estado, idade e vocação, apresenta esta imagem bem sugestiva: «Todas as variedades de jóias lançadas no mel se tornam mais brilhantes, cada qual segundo a sua cor; assim também cada um se torna mais agradável e perfeito na sua vocação se esta for conjugada com a devoção: a atenção à família torna-se mais paciente, o amor entre marido e mulher mais sincero, […] mais suave e agradável o desempenho de todas as ocupações. É certo que a devoção puramente contemplativa, monástica e religiosa não pode exercer-se no regimento dos soldados, na oficina dos operários, na côrte dos príncipes ou no lar das pessoas casadas, mas para além destas três espécies de devoção, existem muitas outras, próprias para o aperfeiçoamento daqueles que vivem nos estados seculares». Por isso, o convite da Senhora é para todos:viver, na oração, a vocação!
Satanás quer sufocar, com o seu vento contagioso do ódio e da inquietude, o homem e a sua alma.
Nas Completas de cada terça-feira, recordamos o aviso de São Pedro: «Sêde sóbrios e estai vigilantes: o vosso inimigo, o demónio, anda à vossa volta, como leão que ruge procurando a quem devorar. Resisti-lhe firmes na fé» (I Pedro 5, 8-9).
O diabo quer, mas nós não vamos deixar! O aviso de Pedro, de forma tão realista reiterado por Nossa Senhora na mensagem deste mês, remete-nos de novo para a meditação matutina do Papa Francisco, na Casa de Santa Marta, do dia 30 de Outubro do ano passado. A vida do cristão é «uma milícia», e são necessárias «força e coragem» para «resistir» às tentações do diabo e para «anunciar» a verdade. Mas esta «luta é agradabilíssima», porque quando o Senhor vence a cada passo da nossa vida, dá-nos alegria e «grande felicidade». São necessárias «força e coragem», porque não se trata de um «simples embate», mas de uma «luta contínua» contra o «príncipe das trevas», de uma luta diária contra a «mundanidade», a «inveja, luxúria, soberba, gula, orgulho, ciúmes», paixões que «são as feridas do pecado original».
«O diabo existe e nós devemos lutar contra ele», revestindo-nos da «armadura de Deus». O Papa comentava nesta homilia as palavras de São Paulo na Carta aos Efésios (6, 10-20), onde nos são dados alguns pormenores sobre como é a «armadura de Deus»… «Permanecei firmes, cingi-vos com a verdade», pois «o diabo é o mentiroso, o pai dos mentirosos»; depois - diz Paulo - é preciso vestir «a couraça da justiça», já que «não podemos ser cristãos sem labutar incessantemente para sermos justos»; a armadura da nossa defesa supõe «os pés calçados e prontos para propagar o Evangelho da paz», pois «o cristão é um homem, uma mulher de paz» e se não tiver «paz no coração» algo não funciona: é a paz que «nos dá força para lutar»; e, enfim, «agarrai-vos sempre ao escudo da fé», pois «se a nossa fé é fraca, o diabo derrotar-nos-á». O escudo da fé não só nos defende, mas também nos dá vida». Assim conseguiremos «apagar todas as setas inflamadas do maligno», pois ele «não nos lança flores», mas «setas inflamadas, venenosas, para nos matar».
Da armadura do cristão fazem parte também o «elmo da salvação», a «espada do Espírito», a oração. Paulo recorda: «Rezai em todas as ocasiões!». Não se pode levar uma vida cristã sem vigilância, sublinhou o Santo Padre.
Não há ainda muitos anos a Igreja publicou o Ritual dos Exorcismos, onde estão os exorcismos que só se podem fazer com a autorização dos Bispos, mas onde encontramos também muitas orações que devemos rezar para nos fortalecermos nesta «luta agradabilíssima», porque nos dá «a alegria de saber que o Senhor venceu em nós, com a gratuidade da sua salvação».
Para prosseguirmos nesta «luta agradabilíssima», eis este pensamento de um beneditino do século IX, Rábano Mauro: «Não podes perder a confiança em Deus nem desesperar da Sua misericórdia; não quero que duvides nem que desesperes de te tornares melhor: porque, mesmo que o demónio tenha conseguido precipitar-te dos cumes da virtude até aos abismos do mal, muito mais Deus poderá chamar-te de novo para o cume do bem, e não só conduzir-te ao estado em que te encontravas antes da queda, mas tornar-te muito mais feliz do que julgavas ser. Não percas a coragem, suplico-te, não feches os olhos à esperança do bem!».
Sejamos, juntos, amor e perdão por todos aqueles que só sabem e desejam amar apenas com o amor humano e não com o incomensurável amor divino, ao qual Deus os convida.
A Mãe propõe-se reparar connosco porque Deus está muito ofendido pelos muitos pecados dos homens, mas especialmente pelos que não crêem, não adoram, não esperam, não amam. Pelos que não amam como devem amar, ou seja, «amam apenas com o amor humano e não com o incomensurável amor divino».
Fazemos da vida uma telenovela com todos os ingredientes, sendo que entre estes não pode faltar o amor arrebatador que faz daquela que acabo de conhecer “a mulher da minha vida”, para daí a dias, a trocarmos por outra porque, afinal, “não me faz feliz da forma que eu imaginava”. Vivemos à mercê dos sentimentos que iludem a realidade, que vêm e que vão, e, quando vão, nos deixam no vazio, na desolação e na dúvida. "Catequizados” pelas novelas – e por outros produtos de conteúdo ainda mais duvidoso, e, quanto mais duvidoso, mais eficaz… - temos a pretensão de que a amada seja à medida do nosso desejo. Alguém usou mesmo esta imagem: queremos que o outro seja um poster que encaixe na moldura que pré-fabricámos. Na verdade, enredados num amor meramente humano e carnal - o “eros” – aquilo que em última análise pretendemos, é que o outro se apaixone pelo nosso egoísmo. O divórcio, a destruição da família, o adultério, a fornicação, a promiscuidade, as aberrações, são sub-produtos desta falsa concepção de amor.
Neste sentido, «o amor humano» ofende Nosso Senhor. Nossa Senhora pede-nos que sejamos com Ela «amor e perdão pelos que não sabem amar». «Que fazeis?», perguntou o Anjo da Paz aos pastorinhos na sua 2ª Aparição, junto ao poço do Arneiro, em Aljustrel… E prosseguiu: «Orai! Orai muito!…Oferecei constantemente ao Altíssimo orações e sacrifícios… De tudo o que puderdes oferecei um sacrifício em acto de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores…Sobretudo aceitai e suportai com submissão o sofrimento que o Senhor vos enviar».
O Anjo de Portugal, em nome de Deus, pede areparação pelos pecados e a súplica pela conversão dos pecadores. Os meios para a reparação e a conversão são a oração de súplica, os sacrifícios, o sofrimento aceite e suportado com submissão, a adoração Eucarística, a Missa, a Comunhão Eucarística, as boas obras, a esmola, as visitas ao Santíssimo, o Rosário, a Via-Sacra, a Devoção dos Cinco Primeiros Sábados e a Devoção das Nove Primeiras Sextas-Feiras.
Reparar significa corrigir, emendar, consertar, compor, remendar, reconstruir algo que se deteriorou, estragou, rompeu, rasgou, destruiu, desactivou, bloqueou… A necessidade de reparação ao nosso Deus é devida pelas ”avarias pecaminosas” dos homens ao infringirem a Sua Lei, pensada e oferecida para os levar ao amor entre si e, a todos, ao Amor a Deus, com vista à salvação eterna, meta final da existência humana.
Nossa Senhora propõe-Se reparar connosco: «sejamos, juntos, amor e perdão», diz a Mãe. Em boa verdade, não poderia ser de outra maneira:os nossos méritos e o valor das nossas acções vêm da nossa união aos méritos infinitos da Paixão de Cristo, somados aos do Coração Imaculado de Maria. Assim o entendiam os Pastorinhos quando ofereciam algum sacrifício: “Ó Jesus, é por Vosso amor, pela conversão dos pecadores… pelo Imaculado Coração de Maria”.
Uma coisa muito importante: a Reparação deverá incluir os nossos pecados e não somente os dos outros. E outra coisa ainda mais importante: para ser eficaz, a Reparação tem de vir de uma alma que esteja na Graça de Deus e isso não se consegue sem a prática frequente da Confissão e da Eucaristia.
Reparemos, então… depois de tudo afinadinho, os homens tornam-se capazes de amar, não com um amor humano, forjado de sentimentos e egoísmos, mas com aquele amor com que são amados por Deus, «com o incomensurável amor divino».
É impressionante a sintonia entre o que a Mãe quer e o Santo Padre nos propõe na mensagem para a Quaresma deste Ano... «Deus nada nos pede que antes não no-lo tenha dado: “Nós amamos, porque Ele nos amou primeiro” (1 Jo4,19). Ele não nos olha com indiferença; pelo contrário, tem a peito cada um de nós, conhece-nos pelo nome, cuida de nós e vai à nossa procura, quando O deixamos. Interessa-Se por cada um de nós; o Seu amor impede-Lhe de ficar indiferente perante aquilo que nos acontece. Coisa diversa se passa connosco! Quando estamos bem e comodamente instalados, esquecemo-nos certamente dos outros (isto, Deus Pai nunca o faz!), não nos interessam os seus problemas, nem as tribulações e injustiças que sofrem; e, assim, o nosso coração cai na indiferença: encontrando-me relativamente bem e confortável, esqueço-me dos que não estão bem! […] O cristão é aquele que permite a Deus revesti-lo da Sua bondade e misericórdia, revesti-lo de Cristo para se tornar, como Ele, servo de Deus e dos homens. Bem no-lo recorda a liturgia de Quinta-feira Santa com o rito do lava-pés. Pedro não queria que Jesus lhe lavasse os pés, mas depois compreendeu que Jesus não pretendia apenas exemplificar como devemos lavar os pés uns aos outros; este serviço, só o pode fazer quem, primeiro, deixou que Cristo lhe lavasse os pés. Só essa pessoa “tem parte com Ele” (cf. Jo 13,8), podendo assim servir o homem».
Filhinhos, que a esperança num amanhã melhor, esteja sempre no vosso coração.
Ora aí está: Nossa Senhora, nestes tempos difíceis, convida-nos a ser optimistas, a ter esperança! O optimismo cristão não é um optimismo meloso, nem tampouco uma confiança humana em que tudo dará certo. O Papa Francisco explicou, de uma forma bela e profunda, na Catequese durante a Audiência do dia 15 de Outubro de 2014: «Vejam, a esperança cristã não é simplesmente um desejo, não é optimismo: para um cristão, a esperança é espera, espera fervorosa, apaixonada pelo cumprimento último e definitivo de um mistério, o mistério do amor de Deus, no qual renascemos e já vivemos. E é espera por alguém que está para chegar: Cristo Senhor que se faz sempre mais próximo, dia após dia, e que virá para nos introduzir finalmente na plenitude da Sua comunhão e da Sua paz. […] Eis então o que esperamos: que Jesus volte!» E continuou o Santo Padre: «[…] Invoquemos a Virgem Maria, mãe da esperança e rainha do céu, para que nos mantenha sempre numa atitude de escuta e de espera, de forma a poder estar já agora permeados pelo amor de Cristo e participar um dia da alegria sem fim, na plena comunhão de Deus».
Cónego Armando Duarte
Lisboa, Festa das Cinco Chagas do Senhor, 7 de Fevereiro de 2015
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